quarta-feira, 14 de maio de 2008

Mais uma rodada de Cassandra: Allenianos 1 X 0 Críticos

"Caro Woody
Escrevo pois, imagine você, a revista BRAVO! me chamou para fazer uma crítica em primeira mão do seu O Sonho de Cassandra. Atendi correndo ao chamado, sempre fico com saudade de você entre um filme e outro.

Penso de você o mesmo que penso de Deus: tenho certeza de sua existência, embora saiba que você não tem a menor idéia da minha.

Faço cinema também. E parecidíssimo com o seu. Também acho que cada plano é um filme. Conheço todas as músicas que você usa. Cantarolo na cadeira. Compreendo que você esteja cansado de si mesmo. Também me sinto assim. Na nossa idade, é preciso mudar. Superar-se.

Mas como fazê-lo? Todo grande artista é o espetáculo de si mesmo. Fellini, Bergman, Carlitos, Orson Welles fizeram, cada um, um filme só. Tudo o que fazemos é passear por dentro de nossa magnífica paisagem interior. Ninguém pode ser um "serial genial", isso é coisa para os assassinos. Temos altos e baixos. Embora isso não tenha grande importância. Quantos anos você tem? 72. Dez meses mais velho que eu. É duro. O tempo passa como um rato na sala. Se tirarmos todos os espelhos da casa, passaremos melhor o dia. Temos obsessão pela morte.

Diz Tolstói: "Um homem que depois dos 40 não tem a morte como sua principal preocupação... é um idiota". Mas é tudo uma farsa! Que engana os homens e por vezes até as mulheres. Por dentro, continuamos garotos, estamos sempre 500 anos atrasados. Temos tantas histórias para contar!

Gostaria de lhe mandar alguns de meus filmes, mas não tenho o seu endereço. Você certamente gostaria de vê-los. Somos bem semelhantes. Você é mais inteligente que eu e um pouco menos romântico, talvez. Ou, simplesmente, tem melhores condições de produção. Cada obra sua me influencia. Como me influenciaram Fellini, Godard etc. Mas não te copio, tenho provas. Enquanto você fazia O que Há de Novo, Gatinha?, eu, por aqui, já estava fazendo Todas as Mulheres do Mundo! Que é quase um filme de Woody Allen. De modo que plágio não é. Mas é sim. Assim como você, adoro subir no ombro do gigante para ver mais longe.

Woody, não estão gostando de O Sonho de Cassandra! Chegam a dizer que é o seu menos inspirado, o pior! Não se perturbe, Woody, eles estão enganados. Realmente, seria muito melhor se você mesmo não tivesse imposto um padrão tão alto nos filmes anteriores. Porém, estão lá os mesmos valores de sempre. A dramaturgia rigorosa, cenários inesperados, os atores ótimos (ok, sic!), a mesma elipse sobre momentos importantes. Uma cortesia para com o espectador.

Por exemplo, você não mostra a cena final do barco, preferindo narrá-la através dos detetives. O mesmo que você fez em Match Point. Lá estão as mesmas citações de livros ou filmes famosos anteriores, você sabe que a inteligência é uma coisa só, que tudo pertence a todos. Assim sendo, lá estão Crime e Castigo — Dostoiévski também é meu autor predileto —, muito da lenda de Caim e Abel, o fascínio saudosista de O Sol por Testemunha, além do Crimes e Pecados. Um autor tem o direito de plagiar a si mesmo. Afinal, ninguém é de ferro. Há menos humor em O Sonho de Cassandra, afinal é uma tragédia, não fica bem rir. Todo autor sério tem de se preocupar com a tragédia de vez em quando. Sua admiração pelo thriller também é compreensível num cinéfilo. Mas tenho certeza que são fases passageiras. O que vale um thriller diante de um filme de Woody Allen?

Enfim, O Sonho de Cassandra é imperdível. Quem não gostou é porque não entendeu. Ou porque ficou com inveja desse jovem cineasta de 72 anos que há décadas faz humildemente um filme por ano, seguindo o seu destino de artista.

Não há nenhuma decadência em jogo. Os gênios não decaem, depuram-se.

Quando Jó se rebela contra Deus, e pede uma resposta, Deus faz desfilar diante dele toda a maravilha da natureza. Diante dos nossos olhos marejados, você fez desfilar no mínimo vinte obras-primas: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Manhattan, Interiores, Memórias, Zelig, Broadway Danny Rose, A Rosa Púrpura do Cairo, Hannah e Suas Irmãs, A Era do Rádio, Setembro, Uma Outra Mulher, Histórias de Nova York, Crimes e Pecados, Alice, Neblina e Sombras, Maridos e Esposas, Um Misterioso Assassinato em Manhattan, Tiros na Broadway, Poderosa Afrodite, Desconstruindo Harry, Poucas e Boas, Vigaristas de Bairro, O Escorpião de Jade, Dirigindo no Escuro, Igual a Tudo na Vida, Match Point... Bem, isso é melhor que a Disneylândia, é como passear na Via-Láctea. Vale viver para passar por isso.

Bem, sei que ainda vem muito pela frente. Porém, meu caro Allan Stewart Konigsberg, o dever de casa já está feito!

Quando vier ao Rio, não se esqueça de descobrir quem eu sou e passar por aqui para eu te mostrar uns filmes e comermos um risoto de camarão, discutindo até a madrugada de onde viemos, para onde vamos...

Seu,
Domingos Oliveira

Domingos Oliveira é cineasta e dirigiu, entre outros, Todas as Mulheres do Mundo e Amores."

Fonte: Revista BRAVO!, maio de 2008.

4 comentários:

Unknown disse...

Senhoras e senhores..temos um novo Gabriel!! uhahua
Brincadeira cara, vc deve ser legal.
Quando tiver tempo de ler seu texto com mais calma opino melhor sobre ele.

Pedro Zambarda disse...

O texto não é dele, Thiago, é uma citação.

Excelente citação, mas ressalto que seria mais interessante um texto seu sobre o assunto.

Gabriel Carneiro disse...

Ei, vc se refere a mim, é?

E Domingos de Oliveira não lembra muito Woody Alle, sorry, Domingos.

Todas as Mulheres do Mundo é muito bom, mas ninguém merece seu últimos filmes.

De qualquer modo, o texto é bem interessante.

E muitos críticos são allenianos.

Unknown disse...

Eu sei, foi uma pitada de humor só..que agressividade gente.

Bom, sinceramente, qualquer argumento perde muita força quando se usa a expressão "não gostou por que não entendeu". Não existe nada mais arrogante e sem sentido do que essa frase

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