sexta-feira, 30 de maio de 2008

Ninguém fez como ele - Do Báu: um texto já feito há um ano, sobre um alguém atemporal


A profissão de repórter pode lapidar em alguém um certo talento para a crônica. Ao tratar sobre os acontecimentos do dia a dia, o jornalista pode desenvolver, sem querer, um olhar atento para os detalhes. Passa a imaginar uma notícia em cada coisa que vê ao seu redor e que se passa em sua vida. E, em sua cabeça, como gostaria de fazer em seus textos, narra cada fato com uma carga subjetiva, cheia de afetividade.

Rubem Braga é um exemplo desse tipo de repórter. Usa toda sua habilidade e experiência jornalística – foi correspondente durante a Segunda Guerra Mundial – em suas crônicas. Narra de forma a transportar o leitor para o tempo da crônica, o fazendo sentir cada sensação descrita, sentir os cheiros, ver as imagens. Isso, talvez, pelo fato de ter atuado durante as décadas de 30 e 40 – esteve em atividade até o fim dos anos 70 –, quando o cuidado com a linguagem era maior, o vocabulário mais rebuscado e a informalidade da crônica estava no fato de ela abordar o lado sentimental deixado de lado pela notícia.

Um ótimo exemplo de seu estilo é o texto Batalha no Largo do Machado, onde descreve uma festa de carnaval realizada em uma região pobre do Rio de Janeiro. “Os tambores surdos fazem o mundo tremer em uma cadência negra, absoluta. E no fundo a cuíca geme e ronca, nos puxões da mão negra (...) e aquela negra de papelotes azuis canta como se fosse morrer.” A atenção com a ambientação pode ser encontrada em muitas outras. Uma, em particular, se faz forma brilhante: no texto Almoço Mineiro, descreve uma mesa rodeada de amigos, menciona as comidas postas à mesa, seus cheiros e, também, suas lembranças: (...) “Havia arroz sem colorau, couve e pão. Sobre a toalha havia também copos cheios de vinho ou de água mineral, sorrisos, manchas de sol e a frescura do vento que sussurrava nas árvores” (...)

Já em A Menina Silvana pode ser confirmada sua veia jornalística. Nessa crônica, ele conta a história da menina Silvana, vítima de uma mina terrestre durante a II Guerra. Ao reportar em uma crônica o que houve com a garotinha, um assunto que provavelmente seria ignorado pelos jornais da época, Rubem Braga leva ao conhecimento dos leitores a face mais terrível da Guerra: o envolvimento de inocentes.

Misturando sua profissão de jornalista à escrita de crônicas, Rubem Braga se revela e se mostra um brilhante cronista-repórter, capaz de retratar com uma objetividade apaixonada os fatos efêmeros de seu dia a dia, transformando-os, através da linguagem literária, em registros universais sobre as paixões, as lembranças, as injustiças e a beleza (nem sempre tão bela) da vida.

4 comentários:

Pedro Zambarda disse...

E muita gente liga os cronistas apenas na literatura.

A crônica é um dos poucos textos com visão dos arredores.

Laís Clemente disse...

Sim, a crônica tem uma visão do mundo a sua volta.

Mas a pergunta que não quer calar persiste:

E que raios é ensaio???

Pedro Zambarda disse...

resenha com ares de crônica, Lalis.

Esse texto da Lidi pode ser considerado ensaio.

Mônica Alves disse...

Eu acho que todo jornalista tem que ter essa sensibilidade. O profissional não pode se prender a um único tipo de escrita, a apenas um lado. A crônica tem que ser uma parte da pessoa que escreve, pois isso lhe garante uma gama de visões ainda maior, seja ele um simples repórter ou um grande colunista.

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